Uma vilã que trava na hora H muda tudo. No capítulo 122, exibido nesta terça (19/8), Maria de Fátima (Bella Campos) recuou diante do plano mais arriscado da novela: sabotear o tratamento de Solange (Alice Wegmann), grávida de gêmeos. A cena foi curta, mas barulhenta. O gesto de desistir, somado à confissão a César (Cauã Reymond) — “Não tive coragem de sabotar o remédio da Solange” — reescreve a linha que separa ambição e crueldade em Vale Tudo.
O recuo que mudou o capítulo
O motor da trama está numa dúvida que corrói Fátima: quem é o pai dos gêmeos de Solange? Ela acredita que seja Afonso (Humberto Carrão), seu marido. O detalhe biológico virou prova na cabeça da vilã: Afonso teve irmãos gêmeos. Para ela, coincidência demais. E foi aí que o ciúme encontrou a paranoia.
Movida por esse medo, Fátima topou um plano pesado com César. A missão era entrar no apartamento de Solange e mexer no remédio da diabetes dela. Não era um recado, era um atentado. Em novela, decisão assim costuma empurrar personagem para o ponto sem volta. Só que, na hora de cruzar a linha, Fátima congelou.
O que pesou? O risco real. Mexer em medicação para diabetes pode provocar uma queda brusca de glicose, desmaio, internação. Para uma gestante, o perigo multiplica: ameaça a mãe e os fetos. É crime, não intriga social. Fátima viu o abismo e desistiu.
O recuo não apaga o planejamento do crime, claro. Mas muda o mapa emocional da personagem. Ela foi longe, preparou o ato, encarou a cena… e parou. Em novela com vilões de sangue frio, esse tipo de freio diz muito. Existe um limite, por mínimo que seja.
Depois, veio a confissão a César. Sem floreio, sem desculpa. “Não tive coragem.” Ele, que empurra a parceira para o tudo ou nada, viu a sociedade rachar. A dinâmica do casal de anti-heróis, até aqui afinada, ganhou ruído. E ruído em dupla criminosa costuma virar implosão.
Paralelo a isso, Sardinha (Lucas Leto) começou a ligar pontos. O rapaz fareja que tem coisa errada no comportamento de Fátima. O interesse dele não é moralista; é instinto de sobrevivência e oportunidade. Se ele descobrir algo concreto, vira poder. E poder, nesse universo, troca de mãos em segundos.
Teve ainda a cena da clínica, onde Fátima foi direto ao ponto com Solange: perguntou na lata sobre a paternidade. Foi incômodo, e era para ser. Fátima não quis só a resposta; quis marcar território, medir reação, forçar uma fissura. Saiu sem prova, mas com mais ansiedade do que entrou.

Por que isso mexe com a novela
Fátima não é uma vilã plana. De um lado, joga sujo, trama, fere. Do outro, hesita diante do que passa do limite. Esse dilema dá vida à personagem. No clássico original de 1988, Maria de Fátima (então vivida por Gloria Pires) já era o símbolo da ambição sem culpa. A nova leitura adiciona rachaduras: ainda há um resto de freio moral, mesmo que pequeno e intermitente.
O tema da maternidade atravessa tudo. Solange carrega dois bebês e, mesmo como rival, impõe um dilema ético. Fátima poderia destruir essa gestação, mas não o fez. Isso não a absolve, só revela que ela ainda responde a algum senso de limite quando a consequência é irreversível. É um traço que complica nossa relação com a personagem: dá raiva, mas gera curiosidade.
O roteiro também joga com ciência e sorte. A menção aos gêmeos na família de Afonso funciona como pista genética e gatilho psicológico. É verossímil o bastante para alimentar a suspeita e instável o bastante para não provar nada. Enquanto o teste de DNA não aparece, a novela explora o vazio da certeza.
Há um efeito colateral claro: o casamento de Fátima com Afonso vai ao fio. Se ele descobre que a mulher tramou contra a vida de Solange e dos bebês, o chão racha. Mesmo sem o crime consumado, o pensamento basta para destruir confiança. E confiança, nesse triângulo, é moeda rara.
César, por sua vez, fica exposto. Ele se acostumou a ser o acelerador da trama, mas um parceiro que recua vira risco. Uma palavra mal colocada, uma pressão a mais, e os dois quebram. Quando dupla do mal se estranha, ou vira delação, ou vira vendetta. As duas saídas rendem novela.
Do lado de Solange, a gravidez de gêmeos é mais do que um dado de roteiro. É proteção e alvo. Proteção porque a torna intocável aos olhos do público. Alvo porque coloca seu corpo no centro da guerra. Se a pressão continuar — perguntas, vigilância, tentativas de invasão —, ela vai reagir. E reação de personagem acuada costuma abrir novas frentes.
Sardinha em modo investigador adiciona tensão. Ele observa, coleta, compara horários, repara em deslizes. O público sabe que Fátima e César pecam pela confiança. Deixam rastros. Uma câmera, um recibo, um testemunho no corredor do prédio — qualquer detalhe vira avalanche.
A clínica foi a pista mais forte do capítulo. O encontro casual não pareceu tão casual assim. Fátima usou o espaço neutro para apertar Solange sem testemunhas íntimas. A postura de Solange — firme, mas em defesa — mostrou que ela entendeu o jogo. Não cedeu, não confirmou, não negou. Guardou a carta.
Tem também a camada social que a novela sempre trabalhou: quem pode tudo, quem joga com as regras e quem paga a conta. Sabotar remédio é o retrato extremo de um tipo de poder: o de decidir sobre o corpo do outro. O recuo de Fátima, aqui, serve como espelho. Ninguém sai ileso do que pensa em fazer, mesmo que não faça.
O capítulo 122, no balanço, fez mais do que avançar a história. Reposicionou as peças. Fátima mostrou um limite. Solange ganhou contorno de resistência. César perdeu controle. Afonso virou o centro silencioso do conflito. E Sardinha, que parecia lateral, entrou no jogo grande.
No bastidor da recepção do público, a cena acendeu debate imediato. Teve quem chamasse Fátima de “vilã com resto de coração”. Teve quem acusasse “teatro para limpar a barra”. As duas leituras convivem porque a personagem sustenta as duas coisas: cálculo e emoção.
O que esperar? Alguns caminhos se desenham no próprio capítulo:
- Fátima vai tentar recuperar a narrativa e provar que também está grávida de Afonso, mesmo sem prova?
- César aceitará o recuo ou partirá para um plano solo, mais agressivo e mais arriscado?
- Sardinha conseguirá algo concreto que vire chantagem — ou proteção?
- Solange vai antecipar exames, reforçar segurança e isolar o círculo de confiança?
Se a novela optar por teste de paternidade, teremos uma virada “prova de laboratório”. Se adiar, ganha combustível dramático: olhares, hesitações, alianças temporárias. Vale lembrar: em tramas de alto risco, a verdade não chega limpa. Chega atropelando.
Por fim, o gesto de Fátima abre um flanco íntimo. Recuar de um crime não é só decisão racional. É memória, medo, empatia, tudo misturado. Se ela voltar a cruzar a linha mais à frente, a queda será maior porque agora conhecemos o freio. E, em novela, quando o freio falha, a colisão é inevitável.