Quando Rodrigo Paz Pereira, senador do Partido Democrata Cristão anunciou a vitória na segunda volta das eleições presidenciais da Bolívia, a noite de 19 de outubro de 2025, a maioria dos bolivianos sentiu um choque tão grande quanto um terremoto em La Paz. Com 54,53 % dos votos válidos, ele superou o concorrente Jorge Quiroga Ramírez, que ficou com 45,47 %.
Contexto histórico: duas décadas de governo de esquerda
Desde a eleição de Evo Morales em dezembro de 2005, o Movimento ao Socialismo (MAS) dominou o cenário político boliviano. Foram oito mandatos consecutivos, das mais variadas crises à exportação de gás natural, passando por reformas constitucionais que ainda moldam o país.
Mas a maré começou a mudar quando, em 2024, a tentativa de golpe — referida em várias análises como a “Tentativa de golpe de Estado na Bolívia em 2024” — desestabilizou a base de apoio de Morales. O ex‑presidente, impedido de concorrer por restrição constitucional, viu sua popularidade cair, ainda que as pesquisas hipotéticas mostrassem cerca de 41 % de apoio.
Os números da virada: primeira volta e segundo turno
No primeiro turno, realizado em 7 de março de 2025, Rodrigo Paz Pereira obteve 32,06 % dos votos válidos, seguido por Jorge Quiroga Ramírez com 26,70 % e Samuel Doria Medina (Frente de Unidade Nacional) com 19,69 %.
Os candidatos do MAS — Andrónico Rodríguez (8,51 %) e Eduardo del Castillo (3,17 %) — mal ultrapassaram a marca de 12 % combinada. Foi a primeira vez em 20 anos que o MAS não chegou ao balot‑eio.
Na reta final, Samuel Doria Medina cumpriu a promessa de apoiar o candidato melhor colocado, impulsionando a coalizão de centro‑direita. O resultado na segunda volta, com 83,4 % de comparecimento, consolidou a vitória de Paz com 54,53 % contra 45,47 % de Quiroga.
- Votos válidos: 7,2 milhões de eleitores registrados.
- Abstenções: 16,6 % na segunda volta.
- Votos inválidos/blank: 20,8 % do total, interpretados por Morales como protesto.
- Representação do MAS no Senado: 0 de 21 cadeiras.
- Representação do MAS na Câmara: 2 de 75 cadeiras.
Reações dos protagonistas
Logo após a apuração, Jorge Quiroga Ramírez declarou: "Aceito os resultados com serenidade e respeito à democracia". Já Evo Morales, em pronunciamento de 20 de outubro, atribuiu a alta taxa de votos nulos a um “protesto contra minha exclusão”.
A missão da Organização dos Estados Americanos (OAS), liderada por Patricia Bullrich, certificou a lisura do pleito: "O processo eleitoral foi conduzido com transparência e aderência às normas democráticas".
Do setor empresarial, o Conselho Empresarial Boliviano saudou a mensagem de "capitalismo para todos" e a promessa de acabar com o "Estado tranca", que, segundo a campanha de Paz, sufocava investimentos.
Impacto regional: o fim da "onda rosa"?
Analistas da revista Veja observaram que a guinada boliviana ecoa tendências na América do Sul e até na Europa, onde partidos de direita ganham terreno nas próximas eleições. No Chile, por exemplo, o candidato José Antonio Kast Rist lidera as pesquisas para a disputa presidencial de 2025, reforçando a ideia de que a “onda rosa” iniciada no início dos anos 2000 está em retrocesso.
Para os países vizinhos — Colômbia, Peru, Argentina — a mudança pode significar novos acordos comerciais e um reenquadramento nas negociações multilaterais, sobretudo em energia e mineração, setores estratégicos para a Bolívia.
Próximos passos: transição e desafios
A cerimônia de posse está marcada para 22 de novembro de 2025, na tradicional Plaza Murillo, em La Paz. Entre as primeiras medidas, espera‑se a revisão do contrato de exploração do gás, a renegociação de dívidas externas e a tentativa de reconciliação nacional.
Entretanto, desafios não faltam: a alta taxa de votos em branco indica descontentamento; a presença ainda forte de grupos indígenas e sociais que apoiaram o MAS requer diálogo; e a economia, ainda frágil após a pandemia, exige políticas que realmente entreguem o "capitalismo para todos" prometido.
Pontes para o futuro: o que observar nos próximos meses
Especialistas apontam três indicadores críticos: (1) a aprovação de Paz nos primeiros 90 dias; (2) a resposta do Congresso a reformas fiscais; (3) a evolução das relações com o governo de Luis Arce, atual presidente interino, que ainda controla parte da estrutura do antigo regime.
Se tudo correr bem, a Bolívia pode se tornar um exemplo de transição pacífica de poder na América Latina. Se não, o risco de novas polarizações — e até protestos nas áreas mineradoras do Potosí — é real.
Perguntas Frequentes
Como a vitória de Rodrigo Paz afeta a classe trabalhadora boliviana?
A promessa de "capitalismo para todos" inclui aumento de empregos formais e reformas na previdência. Contudo, sindicatos alertam que o corte de subsídios ao setor público pode reduzir benefícios já escassos, gerando insegurança nos trabalhadores de áreas rurais.
Qual foi o papel da OAS na escolha dos eleitores?
A Organização dos Estados Americanos enviou observadores em todas as nove departamentais, monitorando urnas e a transmissão de resultados. Sua certificação de transparência ajudou a legitimar o pleito diante de acusações de fraude feitas pelos apoiadores de Morales.
Por que o MAS perdeu quase todo o Congresso?
Além da exclusão de Morales, o partido enfrentou escândalos de corrupção e uma campanha de bloqueio de recursos nas áreas indígenas. A aliança entre os candidatos de centro‑direita consolidou votos que antes eram divididos, deixando o MAS sem maioria.
O que espera a comunidade internacional após a eleição?
Investidores estrangeiros veem oportunidade de reabrir projetos de mineração e energia, mas esperam estabilidade política. Países vizinhos acompanham o discurso de Paz sobre integração regional e comércio, sobretudo no marco do Mercosul.
Quais são os próximos passos para a transição presidencial?
A posse acontecerá em 22 de novembro na Plaza Murillo, seguida de um período de 30 dias de ajustes nos ministérios. O novo governo deverá apresentar seu programa econômico ao Congresso até o final de dezembro.
Andre Pinto
outubro 20, 2025 AT 22:30A vitória de Paz sinaliza mudança econômica, mas ainda falta analisar como isso afetará as populações rurais.